E por falar em sair para descobrir todo um mundo novo, tenho outra história para contar, uma reflexão sobre liberdade:
Um: Fora da Prisão
Não muito tempo depois, mas tempo suficiente para refletir e repensar sobre a vida, o universo e tudo o mais, o prisioneiro foi avisado de que estaria livre em questão de poucos dias. Não houve qualquer reação visível, ou algum sinal de triunfo nos olhos foscos do prisioneiro, mas ele dava piruetas por dentro.
Sabia que lá fora não haveria um mundo melhor esperando por ele.
Dias depois, viu-se do lado de fora dos muros cinzentos da prisão, carregando nos ombros, além do encosto silencioso da culpa, uma mochila com uma muda de roupa velha, e voltando para casa. Para uma vida que não era mais sua. Para uma vida que precisava ser resgatada.
Chegando lá, foi recebido de braços abertos pela esposa, sua única amiga; as primeiras cuspidelas hostis viriam somente depois, e lá fora. Em casa, teve comida com sabor de nostalgia e roupas limpas, ainda que velhas e remendadas; tudo para que se sentisse confortável e cada vez mais culpado por receber tais gestos de amor e dedicação.
Depois de ter dado de cara em muitas portas fechadas, uma porta muito estreita se abriu, e ele a atravessou, e então pôde sobreviver outra vez a este mundo que não o queria mais.
Numa tarde qualquer, sua esposa não o encontrou em casa em seu horário habitual; ela saiu para comprar comida, voltou e encontrou a casa vazia, ainda que destrancada, o que queria dizer que ele havia estado ali e logo havia saído.
Nenhum problema com tal detalhe, mas, apesar do amor que ainda nutria pelo marido, ainda existia dentro dela um resquício de desconfiança. E o estranho silêncio que pairava pela casa e impregnava todo o ambiente ao redor não ajudava a diminuir tal sensação incômoda.
Então, de longe, ela podia vê-lo da janela. Voltando. Parecia diferente, de cabeça erguida, boa postura, não mais caminhando de ombros encurvados, um sorriso nos lábios. Em suas mãos, um par de gaiolas sujas, porém vazias; o porquê do silêncio.
Ela foi ao seu encontro e perguntou o que ele havia feito.
Ele disse que fez o que deveria ter sido feito desde o início.
Ele levou as gaiolas ao parque perto de casa.
O parque estava vazio, e a cena seguinte seria somente para seus olhos: deixando a calopsita no chão, ergueu a gaiola dos periquitos em direção ao céu, e a família inteira voou desajeitadamente para a liberdade assim que a portinha se abriu; a calopsita, por outro lado, mostrou resistência, talvez se sentindo ameaçada ou por não tomar conhecimento da oportunidade que se abria lá fora; mas não demorou muito a sair, e logo sumiu de vista. Era quase pôr do sol.
Fez o que fez porque sabia melhor do que ninguém o que era viver privado de liberdade.
Então abraçou sua esposa e contou o que mais havia visto.
Os periquitos logo se empoleiraram nos galhos de uma velha árvore, e ali ficaram. Um beija-flor se aproximou e pairou próximo ao rosto daquele homem, um rosto com olhos que aos poucos se iluminavam de fascínio por tal visão, e sumiu de vista assim que este piscou. No alto, mais pássaros voavam, e o homem sentiu em seu íntimo que era ele quem voava.
Com o que ainda restava de luz do dia, a mulher viu serenidade no rosto do marido e enxergou vida em seus olhos. Ele realmente sentia o que dizia.
E contaria sua história a quem pudesse ouvir. De norte a sul, de leste a oeste, em filas no supermercado, em ônibus e bancos de praça, todos veriam o que ele viu através de imagens que ele evocaria. Todos o conheceriam.
Mas agora esta não é mais sua história.
Neste momento, ele sai de cena, e uma história dentro da mesma história começa a ser contada.
Se você gostou de ler esse texto com uma reflexão sobre liberdade então sugiro que leia o Pássaros livres (II)
A liberdade não tem preço. Lindo texto! Parabéns Rodrigo Rufino!
Grato, Priscilla! =)
Belo texto ! No entanto, está ficando cada vez mais difícil,pelo menos prá mim, ler textos longos no computer ! Dá uma preguiça ! rsrsrs