Suponhamos, então, que este seja o ponto A.
Daqui ainda não temos uma ideia muito precisa do que poderá acontecer no meio do percurso que levará o objeto de teste em questão ao ponto B, nem dos agentes ou circunstâncias que se encontram no enorme espaço entre os dois pontos, e que são variáveis que PODERÃO influenciar, direta ou indiretamente, os eventos futuros. Temos apenas vislumbres baseados em nossas intenções iniciais.
Ou nada além de uma ignorância agridoce.
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Quando penso nisso, outro pensamento vem à mente: “Nós temos o mundo que merecemos.”
Quando vejo possíveis causas para alguns dos efeitos repetitivos que testemunhamos quase todos os dias, não consigo pensar em outra afirmação que possa soar mais verdadeira que esta. As pessoas vivem querendo entender o porquê de certas coisas que estão além de seu controle. Mas as respostas, é claro, nunca são tão simples.
E as pessoas que fazem tais questionamentos quase sempre são as mesmas que não parecem enxergar um palmo a frente do nariz e não se atentam aos pequenos detalhes que nos alertam a respeito do que ainda pode acontecer.
Simplesmente seguimos em frente, como se nada mais merecesse a nossa atenção.
Tudo o que não nos toca diretamente não é digno de discussão, pelo menos no início.
Dizemos: E o que é que tem? Estamos espantando ratos, só isso. É por essa missão muito nobre que incendiamos o matagal. Os carros poluem muito mais e não vemos ninguém reclamando sobre isso.
Dizemos: Não temos espaço para este monte de lixo aqui em casa e desconhecemos as providências corretas que deveríamos tomar a este respeito.
Dizemos: Não encontrei uma única lixeira, sabia? Mas um papel de bala aqui, um pacote vazio de biscoito ali, um a mais um a menos, ninguém vai nem perceber! Todos fazem isso. Eu deveria ser o único a me importar? Eu…? Eu…? Eu…?
Certas questões são lamentadas apenas quando é tarde demais.
Reclamamos do sol, que é o mesmo de sempre desde o início dos tempos, por causa do calor insuportável que sentimos nos dias que se seguem.
Reclamamos de pragas e ameaças que atraímos para dentro de casa.
Reclamamos por causa da chuva, que ousa causar enchentes em nossas belas cidades de lixo e pedra.
E reclamamos… Bom, porque gostamos de reclamar.
Pense por um momento na possibilidade de que na verdade somos retribuídos pelos gestos que temos contra os outros, assim como contra nós mesmos. Somos até certo ponto diretamente responsáveis pelas pequenas e grandes mazelas diárias que recebemos em troca pela maneira como tratamos o mundo em que vivemos e seus habitantes; ou seja, também estamos incluídos nisto.
Para cada efeito houve uma causa inicial com suas variáveis, ainda que a causa fuja de nossos olhos e de toda a compreensão humana. Simplesmente negamos ou ignoramos o que moveu o elemento em questão do ponto A para o ponto B.
E mesmo os inocentes legítimos da situação, sendo eles humanos ou não humanos, são afetados por nossas ações negligentes, e sentem os efeitos de nossa indiferença.
Mais uma vez vemos a falta que faz a empatia no tratamento que dispensamos uns aos outros, mesmo àqueles que não conhecemos e que também não nos conhecem.
Não se trata de uma questão de presença ou ausência de alguém que olhe e interceda por todos nós, mas, sim, do que fazemos para que a situação mude coletivamente. De olharmos para o todo, e não somente para a nossa pequena fatia.
Também não se trata sempre de mera casualidade, mas de detalhes que levam a outros, e que levam a outros, como uma bola de neve que culmina numa devastadora avalanche, mesmo que não conheçamos todas as circunstâncias que transformam uma causa em efeito. Nem tudo é tão simples.
Muito se fala, por exemplo, da importância de cuidarmos do meio ambiente. E é, de fato, importante. Mas, se o raciocínio for levado para mais longe, a questão é ainda mais importante para a nossa própria sobrevivência.
A natureza sempre superou todas as transformações e catástrofes sofridas ao longo das eras, e, apesar das coisas irreversíveis, ainda soube se resgatar inúmeras vezes. O homem foi incumbido de cuidar de onde vive, do planeta que é seu único lar, para que não fosse expulso ou cuspido fora do esquema que equilibra e harmoniza todas as coisas. A natureza acolheu o homem em troca de ser contemplada e, principalmente, de ser respeitada.
O ser humano, por outro lado, não tem respeitado nem a si mesmo nem aos seus.
Temos sido negligentes.
Sim, nós temos o mundo que merecemos.
…
Bom, mas talvez isso tenha soado um tanto radical demais. Ou superficial, talvez.
Nós ainda estamos aqui, certo?
E se ainda não for tarde demais?
Gosto de pensar que não.
Quero pensar que não.
Citação:
*“We get the world we deserve.” – Ray Velcoro, personagem de True Detective (série de TV da emissora HBO.)