Ela sempre gostou de dividir seus pensamentos com alguém. Nem sempre a fala e o diálogo conseguiam expressar tudo o que sentia. Na cabeça, um turbilhão de pensamentos que, de vez em quando, nem entravam na fila para ajudar na organização.
Na sala, o vozerio da família ficava abafado. A voz interna das emoções gritava de tal jeito, que qualquer estardalhaço externo parecia só ruído. No quarto pequeno, o caderno de capa dura e a lapiseira cinza repousavam em cima da cama desarrumada pela preguiça mais cedo.
Era só abri-lo e sentir o cheiro das páginas que tudo dentro de si voltava ao seu devido lugar. Gavetas e portas se abriam conforme cada sentimento seguia para seu canto. Nem sempre sair falando é a melhor opção. Às vezes, é só questão de estar onde gosta com o que ama por perto. Pronto, a confusão vai embora.
Uma amiga gostava mesmo de sair e usar o cartão de crédito para acalmar os nervos. Eram tantas parcelas que talvez ela passasse o resto da vida pagando-as. Outra preferia colocar os fones no ouvido e deixar o mundo para lá. A mãe só precisava de 15 minutinhos no quarto escuro e pronto, ali estava a solução.
E a vovó, com os cabelos brancos enrolados em coque, tomava uma xícara de café bem quente, respirava fundo e pronto. Devagar tudo se ajeitava. Mas, com ela era diferente. As palavras saíam da ponta do grafite de forma sutil e se encaixavam nas linhas das folhas em branco. Bem mais do que escrita, aquilo era magia.
Um turbilhão de sentimentos
Não havia sentimento que não se encontrasse ali. Emoção, felicidade, tristeza, ódio, euforia, ansiedade. Principalmente esta. O chuveiro jorrava água quente enquanto a espuma do cabelo perfumava o banheiro. Mas, no estômago, tudo continuava frio e emaranhado. As borboletas subiam, desciam, rodopiavam. Enrolada na toalha bastava uma boa leitura à meia luz que cada uma delas encontrava seu próprio ninho e deixava espaço para que a imaginação trabalhasse habilidosamente.
Neste momento tudo parecia mágico. As cortinas se fechavam para o universo e ali, naquele instante, não existia barulho mais aconchegante do que o farfalhar da ponta da lapiseira dançando em forma de letras.
Ou os dedos dando saltos pelo teclado e fazendo um clipe na tela do computador. São os minutos em que ela só pertence a si. Em que a concentração fala mais alto, o tempo voa e o texto acontece. Na paixão.
Todo mundo devia ter um jeitinho de caminhar na calmaria ao lado da brisa, sem a tempestade. Já reparou quanta besteira a gente diz quando está no meio dela? Parece que a cabeça não raciocina. E o coração também não ajuda. A emoção fala mais alto. Literalmente, aos berros.
“É caminhando que se faz o caminho”
Ela demorou a entender que calar, em determinados casos, vale mais do que o desabafo. A raiva é momentânea e domina de tal maneira que chega a cegar. Alguns tombos, recomeços e perdas fizeram-na enxergar as coisas de outro ponto de vista. São como fases: sempre há o momento em que não se tolera engolir sapos, levar desaforos para cama. Chega o tempo em
que não existe coragem para enfrentar. E então, o coração adoece. Só depois de calejar, de observar e querer aprender entende-se que o meio termo vale ouro.
Foi assim, desse jeito, aos trancos e barrancos, que ela aprendeu a maior lição: deve-se procurar um ponto para descarregar as energias negativas. Ela optou pelas palavras. Tem quem goste de correr, de dormir, de comer. E a recompensa não podia ser melhor: o amor é muito mais gratificante do que a raiva, a tristeza e a mágoa. Deixe sua alma florir e os dias passarão a ser menos nublados. Mesmo que lá fora o céu esteja cinza, há de existir o sol dentro de você.