Os tempos estão mudando, e novos tempos estão chegando.
Posso muito bem lidar com este fato. Sinto-me, de algum modo, preparado.
Na semana em que escrevo este texto, meus pensamentos estão voltados para os preparativos de uma mudança que já estava em nossos planos nos últimos dois, três anos, de nosso pequeno apartamento na cidade grande para uma casa com um quintal no litoral. Da loucura para a calmaria. De uma rotina que o isola para outra rotina que o isola somente se você quiser; não é o ambiente que o muda, é verdade, mas certamente ajuda a definir o tipo de dinâmica que sua vida terá nos próximos tempos.
Uma nova vida ou simplesmente uma vida que continua?
Seja como for, estou encaixotando todas as coisas que levarei comigo: livros, revistas, apostilas, cadernos com mil anotações, CDs, DVDs e até fitas de vídeo. Outras coisas eu joguei fora: anotações soltas que não mais fazem sentido, números de telefone sem nomes, lembranças dolorosas…
Reencontro coisas que fizeram parte da minha história e vieram de outras vidas em outras casas, coisas esquecidas no tempo, além de outras que vivi nos últimos dezessete, quase dezoito anos neste apartamento, neste bairro que ninguém ouviu falar.
Não quero cuspir no prato em que comi, mas realmente precisava ter novas perspectivas em novos ares, inspiração e transpiração renovadas. E não foi fácil para a minha família conseguir esta oportunidade, mas sendo agora possível, estamos muito animados com a ideia.
Enquanto tiro o pó de livros ou faço bolas de papel com anotações inúteis, as coisas que guardo ou descarto evocam imagens que me remetem à minha transformação constante, apesar de uma visível repetição de padrões aqui e ali, e também projetam em minha mente pensamentos e pequenas reflexões de como mudei ao longo dos últimos anos.
Valores que cultivei ou descartei, um longo processo de transformação e amadurecimento, muitos ganhos e perdas, conhecimentos adquiridos e esquecidos e resgatados na leitura breve daqueles papéis, tudo isso eu revi e lembrei cada vez mais de quem eu fui, quem eu sou.
Mas ainda não tenho certeza absoluta de quem ainda serei.
Pois esta parte da história… Esta parte da história eu ainda escreverei.
Quando penso em tudo o que acumulei dentro de mim, em cada partícula, em cada pedaço de coisas que aparentemente me definem por e até hoje, sinto carinho por cada uma dessas lembranças. Eu mudei e sei que ainda estou mudando. Quem sou eu?
Mas algumas coisas se perderão para sempre, eu também sei disso. Virarão bolas de papel e, possivelmente, papel novo em folha para que outras pessoas o preencham com novas anotações, com anedotas da vida real ou lágrimas que pontuam cartas de despedida e saudade. Tudo se transforma. Ou supostamente deveria se transformar.
Algumas coisas simplesmente não mais refletem quem eu sou e quem eu gostaria de ser nos dias que ainda estão por vir – e ambos somos pessoas diferentes. Ainda bem.
É engraçado pensar em tudo isso durante esta semana, conforme esvaziamos o apartamento e tiramos dele os rastros de tudo o que construímos para que outra pessoa o ocupe com sua nova vida e com as coisas que guardou de suas vidas anteriores, de outros lares, ainda nesta vida, mas são pensamentos pertinentes ao momento.
Estamos esvaziando o apartamento para que outra pessoa prossiga com sua vida neste espaço que desocupamos, assim como a casa no litoral teve de ser esvaziada das lembranças dos donos anteriores para que a ocupássemos com nossas coisas e histórias.
Uma mudança leva a outra.
Mudamos porque precisamos.
Os tempos estão mudando, e novos tempos estão chegando.
Posso muito bem lidar com isto. Estou preparado.