Pessoalmente, não gosto de olhar nos olhos. Não gosto de ser olhado nos olhos. Desvio meus olhos para outro ponto no rosto do outro (prefiro olhar nos lábios que se movem, e leio cada palavra com a devida atenção) ou olho para o chão, para as minhas mãos. Para qualquer outro lugar.
Os especialistas (sim, sempre eles; quem eles pensam que são?) afirmam que somos dissimulados, mentirosos, e que desviamos nossos olhos porque omitimos detalhes ou não estamos sendo suficientemente sinceros, faltando com a palavra e tal. Eu não sei quanto aos outros, mas comigo a coisa não é assim tão simples.
Não é que eu não goste do olho do olho; quando estou bem à vontade para uma interação do tipo, eu até aprecio. Mas, na maioria das vezes, sinto que estou sendo invadido, sondado e assimilado muito além do meu desejo em dar acesso ao meu mundo interior. A ideia de ser visto ao mesmo tempo me fascina e me apavora.
É fascinante não ser invisível, mas ao mesmo tempo é apavorante tornar-me visível numa interação em que é exigido ser observado de perto, quando se é obrigado a provar que não está mentindo por causa do que dizem aqueles especialistas sem rosto.
No Cotidiano Aleatório
Estou sentado em algum lugar público — na sala de espera de um hospital público, digamos —, e alguma garotinha aleatória sentada na minha frente resolve olhar para trás e me dirigir um olhar vidrado, sem piscar ou desviar de meus olhos.
Confesso: olho para minhas mãos ou torno a ler, ainda sentindo aquela presença silenciosa pairando sobre minha cabeça, e espero (anseio) pelo momento em que mãe diga para a filha sentar direito, olhando para frente.
Mas este momento de trégua demora a chegar.
Eu não sei. Tenho a sensação de que ela, em sua honestidade inocente, conseguirá enxergar a minha alma pelos olhos e abrirá a boca para
(berrar a plenos pulmões!!! aaaaaaah!!!)
dizer que não gosta do que vê.
Não gosta nadinha do que vê, mesmo que seja somente um monte de ideias flutuantes para textos, ou planos para um futuro ainda distante, ou simplesmente a minha eterna insegurança de adulto. Tem criança que vê bicho nas pessoas, sabia?
No elevador, todos olham para o teto.
Quando sozinhos, todos olham para o teto. Encontram a câmera de segurança. Mesmo sem ter muito que fazer naquele longo minuto, o ocupante solitário tenta parecer suficientemente comportado às lentes do vigia onipresente.
Em minhas caminhadas, penso nos estranhos de sempre; você sabe, aqueles homens sentados à porta do bar, ou os ocupantes solitários de cadeiras de plásticos, tomando sol na calçada, no portão de suas casas.
Penso no que pensam toda vez que me veem passar por eles em questão de poucos minutos, na ida e na volta de minhas caminhadas entre alguns quarteirões. Devem olhar para mim e pensar que sou maluco, apenas um sujeito sem rumo ou objetivo, pois estou andando por aí sem um destino específico. Não estou indo à padaria.
Sim, é apenas uma caminhada, mas o pensamento vem mesmo assim, como um espinho perfurante, insistente. Estamos vendo você e sabemos que não vai a lugar nenhum. Sou devorado vivo pelo que assumo ser o pensamento do outro.
O Vício em Ser Aprovado (Ou Como o Inferno são Sempre os Outros)
Não é apenas no trabalho, na escola ou entre conhecidos e desconhecidos recorrentes que o vício da aprovação costuma gritar em nosso espírito, como um vício físico gritaria na carne.
Se diz que não precisa da aprovação dos outros, que bom para você! É muito bom que tenha conseguido se libertar desta necessidade, desta dependência pela opinião alheia. Mas não diga que nunca se sentiu em débito com as expectativas dos outros.
Em uma de minhas últimas caminhadas, eu pensei:
E quem disse que eles estão pensando qualquer coisa? E, se estão, o que importa, se não vão dizer para mim?
Em algum momento, todos imploraram para serem merecedores do chão em que pisam, do espaço que ocupam. Pelo menos uma vez na vida, todos quiseram saber se faziam parte do jogo.
É o que se espera quando se vive em sociedade. Você pode até se considerar um autônomo, como eu mesmo me considero, um autor de sua vida, sem abertura para a aprovação ou o julgamento alheio; mas, num maior ou menor grau, todos nós queremos ser aceitos.
Eu até tenho começado a me libertar um pouco disso quando notei o absurdo da situação. Ora, eu também tenho o mesmo direito de caminhar por aqui apenas por caminhar, sem qualquer motivo mais nobre. Também sou alguém. Não preciso pedir autorização para seguir o meu caminho.
Mas sei que preciso preservar tal revelação todos os dias. Relembrar para nunca mais esquecer.