Cabeça Vazia

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Sim, você deve saber o que dizem por aí.

Sabe como completar o famoso ditado popular.

Já deve tê-lo ouvido muitas vezes.

Permita-me, então, contar uma história sobre isso:

 E o tempo passou, O Menino No Fundo do Poço (II)

O Menino No Fundo do Poço (I)

Era uma vez um menino, um menino muito amigo meu, e este amigo costumava ser eu.

Este menino era repleto de vida e de energia, além de ter sido contemplado desde cedo com uma vasta imaginação.

Ele era um engenheiro/arquiteto de mundos e realidades que existiam somente nos compartimentos mais secretos de sua mente.

De acordo com o que contavam seus sonhos de olhos abertos, que, também, ele mesmo criava, o menino “vivia” mil sonhos e aventuras com seus muitos amigos imaginários – heróis e vilões invisíveis que, até o dia de minha aparição, eram seus únicos amigos até então.

Muito mais que um engenheiro/arquiteto de mundos, o menino era um exímio contador de histórias, algo que, modéstia à parte, nunca deixou de ser.

Um dia, porém, ele não apenas parou por algum tempo de contar histórias, como também parou de sorrir mesmo quando queria ficar sério, assim como também cansou de tentar rir ou fingir achar graça até de coisas que não eram engraçadas por não querer ser deixado para trás, mesmo quando era ele o objeto de uma piada de mau gosto.

Na verdade, o menino sentia que sua própria história real havia perdido o sabor que ele já antes considerava um tanto insosso.

Poderia ter o mundo nas mãos, se assim quisesse. Só que não.

Pois ele sempre sentiu que sua vida era uma interminável peleja sem recompensa; nada além de uma correria sem fim numa tentativa de agarrar fumaça com essas mesmas mãos.

Também era dotado de uma inteligência acima da média, conhecida por muitos e ignorada por poucos que desconheciam essa sua outra faceta – e que nele não acreditavam.

Promissor como era, seria de provocar um tremendo desgosto se este mesmo menino fosse alimentado por pensamentos obscuros causados por sua incapacidade, até então, de lidar com sua própria história enquanto contava outras muito mais envolventes.

Conforme crescia, a vida empurrava o menino em minha direção. Mas ele ainda não estava preparado para se tornar o homem feito que logo, logo seria, e tal ideia o imobilizou. Ele não apenas não estava preparado para a vida adulta como também não se sentia bem-vindo ao clube dos adultos.

E o tempo passou…

Com o tempo, o menino parou de contar histórias e de tentar preencher o vazio de alguma maneira, preferindo dormir para não ver passar a tortura do tempo.

O rio de ideias ainda não estava seco, mas logo seria poluído por outras ideias.

Sua mente, que antes era um vasto oceano a ser desbravado, agora era um poço escuro sem fundo. Um poço de vazio.

Ele não foi empurrado, como inicialmente havia pensado, mas tropeçou.

Caiu e foi engolido pelo poço que ele próprio se tornou.

“Cabeça Vazia…”

“Cabeça vazia, oficina do diabo”, os sábios populares já diziam. Nunca li nem ouvi palavras mais verdadeiras!

E tais palavras podem ser aplicadas mesmo aos mais sensatos, que eventualmente esquecem sua sensatez e se deixam levar pelo vazio durante muito tempo. E quando o vazio provocado pela inércia não é devidamente preenchido, algo acontece, um efeito negativo tão significativo que até foge de sua capacidade de

remediar a situação. De remediar-se. Então você se afunda ou mergulha num oceano de ideias pouco construtivas. E de possíveis ideias de uma potencial autodestruição.

Não, não é mito.

Isto não necessariamente provoca efeitos prejudiciais em outros por causa de atos insensatos praticados por você e provocados por pensamentos maléficos que você tem alimentado em períodos, longos ou curtos, de inércia. Tais pensamentos podem tocá-lo, única e exclusivamente, e podem arrebatar suas faculdades mentais pouco a pouco. O mesmo aconteceu com o personagem principal da nossa história de hoje.

O Menino No Fundo do Poço (II)

Mas o menino gritou do fundo do poço. Gritou do fundo da alma para ser ouvido. E ele foi. Seus gritos vieram de dentro dele somente quando percebeu que podia ser tarde demais, e que precisava de ajuda. Foi então que eu apareci para puxá-lo de volta. Foi então que apareci para puxar a mim mesmo do fundo do poço, quando o meu eu adulto finalmente percebeu que assim eu não poderia continuar. Então gritei por ajuda. E fui ajudado por outros.

Penso no que teria pensado o menino que um dia eu fui, e que antes contava histórias, e que antes pensava que ele mesmo não tinha uma história própria que fosse emocionante, além daquelas tantas outras que inventava para si e para seus amigos imaginários. Teria olhado para mim mesmo e teria dito: o que foi esta coisa que me tornei?

Ele havia ido um pouco longe demais.

Mas, não, ainda não era tarde demais.

Ainda.

E o menino, agora um homem, aprendeu que não poderia mais viver isolado, longe de tudo e de todos apenas para ser esquecido enquanto matava o tempo com seus próprios pensamentos. Enquanto matava a si mesmo de tédio. Toda a dor de não se sentir vivo ao mesmo tempo em que a vida corria ao derredor.

Mas eu não seria esquecido, e o tempo se encarregaria de me chamar e me cobrar pelo tempo perdido. Então olharia para trás, para o menino que se apagou, e diria: desculpe-me por tudo o que não fizemos.

Mas não demorei a aprender que a vida continuava, e que eu deveria continuar a aprender todos os dias, até o fim deste século. Meu século. E este novo adulto aqui aprendeu o que significava amadurecer de fato. E aprendeu que até o fim de seus dias

ainda teria o que amadurecer, pois nunca seria perfeito. E podia muito bem lidar com isto.

Mas isto somente seria possível se ainda soubesse como preencher bem sua mente a fim de que nunca mais esvaziasse a si mesmo.

E teria que continuar e aceitar o chamado para escrever todas as histórias boas que ficaram para trás. Mas, principalmente, teria que continuar e escrever as páginas seguintes de sua própria história a partir de agora.

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2 COMENTÁRIOS

    • Obrigado pelo comentário. Eu acho que de, algum modo, muitas pessoas se identificam com isso. Nossas mentes precisam ser bem preenchidas.

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