(Des) Conexões Reflexão

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De alguns eu nunca ouvi a voz. De outros eu não conheci o calor nem a textura das mãos tocando as minhas num aperto firme, porém amigável, gentil. Nem consigo imaginar como seria uma troca de olhares entre alguns de nós, apesar dos olhos sorridentes que vejo em muitas fotografias. Também não sei dizer o que poderia ser dito após os primeiros cumprimentos.

Mas depois de todo esse tempo, eu seria considerado louco se afirmasse que tenho amigos entre eles?

Podem até viver do outro lado da cidade, do estado, do país ou mesmo do mundo, mas nossas trocas de ideias fazem parecer que somos vizinhos de porta. Almas gêmeas, alguém poderia dizer, se o pensamento fosse ainda mais longe.

Bem sabemos que a tecnologia atual tem proporcionado uma maior interação entre pessoas de lugares e culturas diferentes. Nos velhos tempos, seus supostos melhores amigos poderiam ser encontrados apenas nos poucos lugares que costumava frequentar.

Dificilmente teríamos encontrado pessoas de outros lugares na fila do pão ou ao nosso lado em um ônibus qualquer, a não ser pelas maravilhosas casualidades da vida; mas hoje é diferente, graças aos muitos avanços tecnológicos.

O futuro chegou! Estamos conectados por códigos e sinais invisíveis

Não mais nos comunicamos por sinais de fumaça. Não mais enviamos cartas nem recebemos uma resposta tardia. E mesmo o hábito de telefonar foi deixado um pouco de lado, sendo parcialmente substituído pelo envio massivo de mensagens instantâneas de texto e voz.

Entretanto, ao mesmo tempo em que a comunicabilidade ganhou novas modalidades, a mais tradicional e básica de todas tem perdido voz e espaço: comunicação através da fala e com troca de olhares.

Confesso que não consigo sustentar um olhar por muito tempo, pois gosto de observar o movimento dos lábios, além dos traços, detalhes e possíveis “imperfeições” naturais que tornam cada rosto único. A ideia de encarar por muito tempo pode me incomodar um pouco, mas gosto de ser atencioso e de estar realmente presente.

O que temos visto hoje não é apenas uma fuga de olhares, mas também de atenção e presença. Vivemos entre presenças ausentes. Sim, comunicamo-nos com meio mundo, mas a incomunicabilidade impera quando nos deparamos com outras pessoas, mesmo com os nossos velhos conhecidos, ao vivo e a cores.

Por favor, entenda. Minha intenção aqui não é a de criticar pelo simples prazer superficial de criticar, até porque eu mesmo faço uso dos benefícios da tecnologia, apesar de nem sempre acompanhá-la em tempo antes de ver a novidade se tornar obsoleta. Mas…

Entre redes sociais alimentando egos, e pessoas de cabeça baixa tropeçando no meio-fio enquanto caminham ao mesmo tempo em que digitam velozmente no celular, e companhias que não participam da conversa à mesa de jantar por estarem muito ocupadas com quem não está ali, e sujeitos em igrejas ou salas de cinema que não aguentam carregar no bolso um celular desligado, entre eles há excessos, muitos excessos.

E os excessos vão desde esses exemplos mais simples até o uso da tecnologia como uma ferramenta emuladora de interações que seriam muito mais funcionais se feitas de corpo presente; mas, assim como acontece com os demais vícios alimentados, as pessoas se tornam dependentes de algo que aparenta preencher um vazio – por um breve momento, pelo menos.

Mesmo as sensações reais foram substituídas por intenções virtuais decodificadas por meio de palavras numa tela pequena.

Para quase tudo tem havido uma telinha para compactar o nosso mundo e nossas interações com o mundo. Entre juras de amor trocadas por um casal apaixonado que nunca se encontrou pessoalmente e amigos que não se visitam, apesar de viverem numa distância do tamanho de uma cidade repleta de meios de locomoção, essas telinhas servem como suas mediadoras. Mas…

Mas o que podemos fazer? Não conseguimos resistir por muito tempo e logo nos rendemos. É…

O que seria de mim quando, em certas madrugadas solitárias, eu estivesse ligeiramente triste e não tivesse com quem conversar? Certas pessoas estavam ali, talvez sentindo o mesmo, e nos tornamos unidos pelas afinidades, apesar da distância que nos separava. Vínculos nasceram.

E pela Internet pude conhecer amigos virtuais que um dia me receberam em suas vidas com um calor humano muito real e presente. Pessoas a quem devolvi o mesmo gesto com verdadeira reciprocidade.

Sim, os tempos são outros.

Mesmo com todos os excessos tecnológicos e perigos existentes no mundo virtual, coisas boas foram cultivadas entre pessoas com realidades diferentes. Por trás de quaisquer intenções virtuais há mentes e corações reais em busca de algo. Para o bem ou para o mal.

Não há como impedirmos os avanços tecnológicos e seus efeitos em massa. Por outro lado, devemos ter em mente o seguinte: nós controlamos todas essas coisas. Não deveria ser o contrário. Pois o uso que fazemos de tudo o que temos em mãos é uma questão de domínio próprio.

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