Você já pensou no que diria o seu eu mais jovem, quando este se deparasse com quem você se tornou?
E você já pensou no que diria caso se deparasse com o seu eu mais jovem, e se lembrasse de tudo o que um dia já havia sonhado e esperado e que simplesmente perdeu (assim como perdeu a si mesmo) ao longo do caminho? E todas estas coisas seriam como migalhas de pão que foram engolidas pelos pássaros, e você não sabe mais como voltar para casa.
E você já pensou como seria um diálogo entre os dois?
Haveria diálogo?
Conteúdo do artigo:
Cenário e Personagem
Desde o início, vocês são a mesma pessoa, e ambos sabem disso desde o início.
Ninguém, além de você mesmo, o vê do outro lado da mesa.
Como se estivessem sentados sozinhos, você se vê como foi, como é ou como será. Como foi, quando mais jovem; como é, quando mais jovem e também quando mais velho; e como será, quando é mais jovem e olha para a si mesmo mais velho. O que você vai ser quando crescer?
O seu eu mais jovem vê a mesa como sendo de plástico, com uma toalha colorida a enfeitando. Uma mesa de festa de aniversário, com um bolo muito doce (doce como a vida deveria ser), com uma vela ainda apagada. O número na vela diz que você ainda é muito jovem. Há balões e chapéus de festa, risos e brincadeiras à sua volta. Você sorri. Hoje é o seu dia especial.
O seu eu mais velho, por outro lado, vê uma mesa de madeira repleta de cupins; mas você não se importa, não mais. No lugar do bolo há uma jarra com cerveja — a mesma bebida amarga que, quando criança, você prometeu aos seus pais que jamais beberia e que dizia não entender como os adultos podiam gostar de algo assim.
Você bebe sozinho. Não divide. Bebe para afogar os pensamentos ou para transformá-los em pensamentos mais toleráveis em meio às ondas alcoólicas.
O jovem e o velho, eles não veem o mesmo tempo e mundo, mas veem um ao outro neste cenário.
Você se vê do jeito que quer se ver no momento.
E o diálogo acontece.
Diálogo
Futuro: — Sinto muito. Eu sei que você queria muito ser grande, e acreditava que tudo seria ainda melhor e mais fácil quando fosse adulto, mas eu te decepcionei, certo? Eu não fiz as melhores escolhas.
O futuro bebe o amargo.
O passado saboreia o doce.
Ninguém ao redor interfere.
Futuro: — Eu queria poder voltar atrás e escolher o que hoje sei ter sido o melhor para nós. Olhe para mim. Olhe bem. O que você vê? Um poço de arrependimentos, um desesperado silencioso. E o que mais? Eu poderia ficar horas e horas tentando me explicar, e eu sei que você não seria capaz de entender, pois, eu não entendia muita coisa quando eu tinha a sua idade. As coisas são como são. E isso é tudo.
Mas isso não foi tudo, e diz mais: lamentações atrás de lamentações.
O passado olha em silêncio para o futuro, ouvindo a tudo. Vê as rugas, os olhos tristes. Vê a tudo em silêncio. Quando o futuro — o temeroso futuro — interrompe aquele longo monólogo, vocês se olham em silêncio por mais de um minuto.
Então…
A imagem da jarra de cerveja oscila, sendo substituída pela imagem de um bolo de festa. As duas imagens disputam um espaço na mesa, que também muda entre plástico e madeira velha.
O bolo fica.
Passado: — Quer bolo?
…
O futuro ri. Como você costumava ser tão simples!
Futuro: — Quero. Eu acho que quero.
Passado: — Tá. Pode pegar.
O menino põe a mãozinha suja de glacê sobre o bolo, e a fecha para puxar mais um pedaço despedaçado para si. Olha para o homem, que ri, e faz o mesmo, puxando um pedaço para si com sua mão enorme. Comem em silêncio. A vela continua apagada, e comem o bolo sem que alguém interfira. O mundo continua movendo-se ao redor, não olhando para você.
Então…
Passado: — Eu também quero falar.
E o diálogo continua…
No Presente
Um diálogo como esses seria possível se fosse criada uma máquina do tempo que possibilitasse o encontro entre as duas consciências; mas o diálogo já está acontecendo na sua cabeça, aqui e agora.
Você está no presente, sendo mais jovem ou sendo mais velho.
Você está no presente, vivendo.
Viver é tudo o que pode fazer agora.
Viva cada momento.