Estrangeiros

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Você se aproxima da multidão e repete tudo o que eles têm repetido desde o início: palavras e gestos, além das mesmas piadas e dramas presentes no roteiro de uma peça tragicômica chamada Vida.

Você acorda todos os dias na velha intenção de seguir o fluxo, mas esbarra em ombros duros, é empurrado e recebe olhares atravessados.

Você sente fome, sede e carência – você e todos; mas simplesmente negamos uns aos outros: não temos parte alguma com os problemas alheios, assim como também não somos convidados para a festa de ostentação da suposta felicidade de quem faz parecer que a vida é tão perfeita, uma vez que mal conseguimos disfarçar nossas mazelas com semelhante naturalidade.

Nem todos são contemplados com o talento para atuar perfeitamente, apesar de nos exigirem isso para que o maquinário social funcione.

Neste mundo há outros mundos menores separados por paredes e portas fechadas. E além desses mundos há outros tantos separados e abrigados por corpos e mentes. Pouco ou nada sabemos a respeito de tais mundos, mas ainda existem, assim como suas respectivas complicações ocultas.

Nosso mundinho particular também vive trancafiado e tentamos escondê-lo; mas por uma brecha ou pequena rachadura somos observados e silenciosamente avaliados por quem fica do lado de fora; mesmo os castelos mais imponentes apresentam pequenas rachaduras em suas paredes, e algumas verdades secretas podem não ser mais tão secretas. E a vida prossegue com a naturalidade habitual, apesar dos pesares.

Nós corremos contra o tempo e contra nós mesmos; tentamos superar a mesmice que tem regido nossos dias de luta com mesmices diferentes, correndo contra o tempo e derramando suor por um pão amassado que nos sirva de alimento, enquanto damos o nosso melhor sorriso de relações públicas em troca.

Entre olhares atravessados e esbarrões pelo caminho há outros com buscas semelhantes, e que lá fora desmancham seus sorrisos de relações públicas após um longo e cansativo dia de buscas por crescimento ou por mera sobrevivência. Para muitos, o leite dos filhos é a sua única grande motivação.

Você até deseja agir de maneira diferente, mudando de vida, de padrão (e de patrão) ou até mesmo de endereço, porém foi condicionado a querer ser aceito mesmo por quem não conhece e que não conhece você. Mas não se preocupe, pois você não está sozinho nisso.

Seus pais, filhos, amigos, vizinhos e demais transeuntes almejam aceitação. Ninguém quer ser reprovado, mesmo que por meio de uma interpretação neurótica sobre gestos e olhares silenciosos e duros de outros.

Então tentamos agir como camaleões que se camuflam em situações adversas, assim como nos sorrisos e nas lágrimas alheias – lágrimas e sorrisos que às vezes são nossos, quando nos lembramos de nossa capacidade de sentirmos coisas semelhantes.

Mas ainda nos sentimos como estrangeiros. Como estranhos em uma terra estranha. Como se a vida fosse uma grande festa para a qual não fomos e nunca seremos gratuitamente convidados.

Mas não se preocupe: você continua a não ser o único. Ninguém foi especialmente contemplado com um talento único e exclusivo para se sentir deslocado.

Existe uma palavra-chave que, se o grande princípio por trás dela fosse praticado todos os dias, faria diminuir essa sensação de deslocamento. Espero.

Quando penso que, em diferentes níveis, somos como estrangeiros para quem se encontra ao lado ou vice-versa, uma luz de compreensão se acende na mente.

Quando penso que, de algum modo, o outro tenta se defender de tudo e de todos com uma falsa impressão de perfeição, lembro que faço o mesmo. Ou faço o contrário, e tento me defender com os mesmos olhares atravessados e esbarrões com os quais sou recebido. Ou com um olhar distante e talvez com uma atitude ensimesmada.

Mas, então, lembro que, em alguns sentidos, eu poderia ser você e você poderia ser eu. Somos peculiares, mas não inteiramente estranhos.

Pois a mesma letra E que nos torna Estrangeiros na vida um do outro poderia ser a primeira letra para uma palavra-chave que nos uniria como seres humanos e irmãos; e essa palavra é a Empatia.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Excelente texto Rufino, me identifiquei muito, principalmente nessa parte “Nem todos são contemplados com o talento para atuar perfeitamente, apesar de nos exigirem isso para que o maquinário social funcione” , parabéns, e continue escrevendo assim cara, inspiração você não espera chegar, isso está sempre com você rapaz.

    • Valeu pelas palavras, Amaury. E é verdade: hora de seguir em frente e não esperar a inspiração chegar. Vou exercitar cada vez mais isso.

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