Comum nos espíritos humanos (mas também ouso dizer que outros tantos animais são capazes de senti-la, cada um deles à sua maneira), a nostalgia não é, em sua definição mais básica, um sentimento dos mais agradáveis.
Muito em voga em tempos que voam na velocidade de alguns cliques, em que pouco ou quase nada dura o suficiente para ser lembrado além de alguns poucos dias ou poucas horas, a nostalgia é uma tristeza melancólica sentida por quem se encontra longe de sua terra, lar ou pátria.
Esta pessoa se afastou de suas origens, mas suas origens ainda se agarram ao seu espírito, trazendo à tona recordações e saudades de tudo o que teve ou viveu, mas que ficou para trás. Surge e ressurge constantemente como uma vontade de “retornar ao lar”.
Como um conceito ainda mais amplo, podemos dizer que os momentos de nostalgia vem como um recurso que converte dor em saudade, transportando-nos dos dias difíceis aos dias mais confortáveis que não voltam mais. Isto é, se alguma vez esses dias existiram.
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Lar, Doce Lar!
É muito comum sentir saudade de antigos sabores não mais sentidos, mas que, bastando falar sobre eles, são lembrados exatamente como nos marcaram em nossa memória gustativa. Se pudesse, eu falaria de mil doces, guloseimas e outras tantas delícias que acompanhavam os bolinhos de chuva da vovó.
Quando pequeno, eu gostava de brincar de pega-pega e esconde-esconde, de jogar videogame nas manhãs e tardes chuvosas, antes ou depois da escola. Lembro-me de como conseguia me divertir com tão pouco, bastando ter uma corda e algumas cantigas sem sentido na ponta da língua.
Quem aí não se lembra do Cinema em Casa e da antiga Sessão da Tarde? De “Os Goonies”, de “Elvira”, “Deu a Louca nos Monstros”, “Esqueceram de Mim”, de “Conta Comigo”? Ou de “Loucademia de Polícia”, de “Bala de Prata” e do “Monstro do Armário”, de “A História sem Fim” e “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (mas o original, de 1971)?
Se não se lembra de tudo isso, talvez se lembre de “Procurando Nemo”, que há tempos não é mais uma animação recente. Pois é. O tempo realmente voa.
E quem aí não se lembra dos desenhos animados que assistíamos logo cedo ou no horário do almoço? Era muito bom sentar no sofá, enrolado numa manta ou cobertor, tomando leite com achocolatado e vendo o Coiote sendo eternamente ludibriado pelo Papa-Léguas.
Quando paro e penso a respeito de tantas coisas que fiz, vi e vivi, e que parecem ter ficado num ponto distante no passado, logo sinto melancolia por saber que o tempo não volta.
Os dias pareciam mais longos, como se eu tivesse todo o tempo do mundo em minhas mãos, mas hoje parecem ter durado uma fração de segundo. E olho para a vida hoje e penso o mesmo que muitos: Eu era feliz e não sabia.
Felizmente, o mundo moderno possibilitou o resgate de muitas destas coisas boas; outras tantas, infelizmente, ficaram mesmo no passado. E as coisas boas se concentram num mesmo aparelho, ao mesmo tempo em que, infelizmente, ruas e praças se esvaziam de presenças, risos e vozes humanas. Os dias perderam muito daquela magia que, até poucos anos atrás, preenchia nossas vidas. Sinal dos tempos.
Mas, quando revejo algo que me lembre de como eu me sentia antes, de algum modo estou possibilitando um reencontro com a minha própria identidade, um “retorno ao lar, doce lar”, ainda que de maneira idealizada.
“No Meu Tempo Era Melhor…”
Por outro lado, não sinto um mínimo de saudade dos castigos, das cintadas ou chineladas. De como nunca ou dificilmente me senti o favorito de alguém, um sentimento que carrego comigo ainda hoje. São coisas que eu gostaria de esquecer.
Vê? A nostalgia me faz regredir e lembrar-me do que era bom e desejar esquecer o que não era assim tão agradável, ainda que estas sejam igualmente importantes para analisar o longo caminho que percorri entre quem eu era e quem eu sou hoje. A nostalgia enfeita ou mascara o passado real. Romantiza.
Aliás, a nostalgia diz menos respeito ao objeto de afeto e mais às circunstâncias que tiveram esses objetos, situações, lugares e até pessoas como plano de fundo ou agentes diretos ou indiretos de tais circunstâncias lembradas com tanto carinho.
Nos dias que se seguem, existe toda uma indústria que tenta resgatar (ou atender à demanda de pessoas que desejam resgatar) sentimentos compartilhados de tempos maravilhosos, por meio de festas temáticas, filmes, séries de TV e jogos atuais
com gráficos em 8 bits. Um simulacro do que já foi e que as pessoas na época não sabiam que futuramente gostariam de resgatar.
Indo mais longe, a nostalgia nos leva a sentir saudade até de coisas que nunca vivemos quando ainda eram novas, de experiências contadas por outros, de como se sentiam.
Sobre Regressar
Mas, e as coisas boas daqueles tempos, aquelas que ainda podemos conferir? Continuam boas?
Às vezes, algumas destas coisas ficam melhores quando mantidas na memória afetiva, não sendo mais resgatadas.
Talvez não fossem assim tão boas.
Talvez fossem.
Quero dizer, você até pode sentir carinho pelo passado, assim como eu sinto, mas que tal viver o presente e abraçar o futuro?
Que tal olhar para o agora e tentar saborear novos sabores da vida com o devido cuidado e carinho, por mais amarga que a vida adulta pareça?
Que tal redescobrir a vida que ainda existe em você, com novas experiências, boas e ruins?